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Quem teme o debate?


A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz, emitiu uma nota assinada por seu diretor Hermano Castro, no dia 05 de outubro, posicionando-se contra a criação da Comissão Especial para Debater o Uso do Amianto (Cedua) no Brasil. A Comissão foi estabelecida pelo Ministério do Trabalho, por meio da Portaria 1.287, justamente para que o tema da cadeia produtiva do amianto no Brasil possa ser discutido sem embaraços, com todas as informações técnicas – e suas fontes reconhecidas – postas à mesa.

Curiosamente, a ENSP manifesta “desacordo com a Portaria” que criou a Comissão, sob a justificativa de que “no momento em que o amianto tem sua produção e seu uso banido em vários países, em razão de seus efeitos nocivos à saúde das populações, e seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), não cabe normatizar o uso seguro dessa fibra”.

Em seguida, a nota da ENSP enumera uma série de dados incorretos e equivocados sobre a exploração e comercialização do crisotila no Brasil e no mundo. Com o fim de não permitir que incorreções passem despercebidas, o Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC) esclarece alguns pontos sobre a nota da ENSP:

- A nota afirma que a Escola tem demonstrado “o impacto sobre a morbimortalidade das populações expostas ocupacional e ambientalmente” ao amianto e que “nos últimos 30 anos, os resultados dos estudos sobre o uso do mineral não deixam dúvidas de que todas as formas de amianto, inclusive o crisotila, provocam câncer”.

As informações acima não procedem. São incorretas. Todos os estudos realizados sobre o uso do amianto crisotila têm demonstrado, para além de qualquer dúvida, que essa fibra mineral pode, sim, ser usada com segurança e sem qualquer malefício à saúde humana, contanto que seja feito dentro de critérios de controle e segurança estritos.

Não é novidade que a indústria faz uso de materiais de risco e que o aprendizado ao manipulá-los, ao longo dos séculos, implicou no terrível custo de insubstituíveis vidas humanas. A partir da Revolução Industrial, este tem sido o caso com  materiais como o carvão, a sílica e o chumbo. Contudo, aprendemos a utilizar esses materiais dentro de padrões de segurança rigorosos. O que muda no caso do amianto crisotila, já que os casos de adoecimento decorrentes do seu uso sem controle foram totalmente erradicados?

Sobretudo após o banimento do amianto anfibólio, esta fibra mineral tem sido objeto de um controle cada vez mais rigoroso. Desde 1980, não existe um único caso de adoecimento decorrente da utilização do amianto crisotila no Brasil. Novamente: esta informação é verificável e não há um fragmento de dado que a contradiga.

Falta a ENSP citar os estudos que demonstrem o contrário. A Escola precisa indicar as pesquisas que cita e que, de acordo com estas, atestam que: a) não há nível seguro para a utilização do amianto crisotila na mineração e na indústria e b) que indique o adoecimento ou casos de óbitos referentes à utilização do amianto crisotila no Brasil nos últimos 30 anos.

O IBC já interpelou o presidente da ENSP, Hermano Castro, administrativa e judicialmente, para que ele apresentasse os referidos estudos que embasam a conclusão de que não há níveis seguros para a utilização do crisotila. E jamais obteve uma resposta nesse sentido.

- Em outro ponto da nota é dito que “os danos causados pelo amianto não se restringem aos trabalhadores, mas comprometem a saúde de toda a população exposta”. O texto chega a afirmar que “deixa de ser mais um problema ocupacional estrito e se torna um grave problema de Saúde Pública”.

Aqui o erro é ainda mais grave. Mesmo aqueles que defendem o banimento desta fibra mineral não podem negar que inexiste qualquer risco à saúde pelo simples fato de numa moradia ou construção haver, por exemplo, telhas ou caixas d’água que tenham amianto em sua composição. Até porque, o amianto crisotila está presente em 80% das casas brasileiras, na forma de caixas d'água, e em 50% das residências, como telhado. Se esse fosse o caso, estaríamos enfrentando uma epidemia que se alastraria por todo o território nacional.

O dado objetivo é que apenas o amianto tipo crisotila tem o uso autorizado no país. Este mineral é 500 vezes menos perigoso à saúde humana do que o tipo anfibólio (que se usou em toda a Europa em um passado recente e que foi responsável pelos casos de adoecimento em função de seu uso sem controle). É por isso que é possível manipulá-lo dentro de padrões de segurança, tornando o ambiente de trabalho completamente seguro. A evidência? Todos os casos de adoecimento são anteriores à adoção das normas de segurança impostas ao setor produtivo.  Se alguém tem evidências contrárias, deve apresentá-las ao invés de evitar o debate.

O Brasil é referência no uso seguro do amianto crisotila na mineração e na indústria, tendo uma das leis mais rigorosas do mundo no que toca o assunto. Desde que o amianto anfibólio foi banido em nosso país e o uso do crisotila foi regulado, inexistem dados confiáveis e de fontes estritamente científicas que comprovem adoecimento de trabalhadores que operam nesse setor. A afirmação de que há risco doméstico, ao consumidor, é  absurda e irresponsável.

Um estudo feito pelos pesquisadores John Bridle e Sophie Stone aponta o custo econômico e social da histeria envolvendo a remoção do amianto em construções no Reino Unido, a despeito da total ausência de risco à saúde. Um outro trabalho em sentido semelhante, do pesquisador Jerzy R.L. Dyczek, contabiliza os custos da proibição do uso crisotila na Polônia, leste europeu. Também naquele país prospera uma indústria de remoção de amianto de estruturas e construções e do descarte dos resíduos, a despeito da inexistência de riscos objetivos à saúde da população e sob o preço da desinformação da opinião pública.

- Mais adiante, a nota da ENSP diz que a Organização Mundial da Saúde (OMS) “classifica o amianto como um inimigo silencioso” e que a publicação da OMS sob o título Critério 203,  “atesta a nocividade da fibra”. Por fim, a nota diz que “segundo a Organização, não há limite seguro para a exposição ao mineral e recomenda sua substituição como a melhor forma de prevenir doenças a ele atribuídas”.

A OMS jamais expediu diretivas de tal caráter. O órgão é responsável pela divulgação de uma lista de substâncias cujo uso deve ser observado devido ao potencial cancerígeno. Entre as mais de cem substâncias enumeradas está o amianto. Confunde-se essa relação com uma lista proibitiva. Porém, na verdade, o organismo internacional elenca uma série de produtos em que se recomenda cautela, entre eles  anticoncepcionais, tintas, peixe salgado e, até mesmo, o fogão a lenha.

O mesmo vale sobre a recomendação de substituição do crisotila por fibras alternativas, fabricadas por empresas multinacionais interessadas no banimento do amianto. São fibras sintéticas, produzidas com materiais substitutivos feitos de polipropileno ou PVA. Não só esses materiais são mais caros e poluentes, como são de qualidade inferior e, ainda pior, tiveram o “risco indeterminado à saúde humana” reconhecido pela Organização Mundial de Saúde.

Frente a estes dados verificáveis, vale o questionamento: Por que trocar um mineral exaustivamente estudado, com os riscos à saúde conhecidos e controlados, por uma tábula rasa?

A nota também erra ao dizer que o banimento do crisotila vem ocorrendo em “vários países”. Faltou informar que em 130 nações o uso do crisotila é permitido, entre eles os Estados Unidos e o Canadá. Além disso, mesmo nos países da Comunidade Europeia, onde se localiza boa parte das nações que proíbem o mineral, o uso do amianto é permitido para produzir cloro, sem o qual não se consegue abastecer de água potável os centros urbanos ou mesmo se proceder com a fabricação de milhares de medicamentos que levam o cloro em sua composição.

Por fim, as informações sobre a ocorrência de 15 mil mortes por ano na Europa em função da exposição ao amianto são objeto de questionamento, já que os dados que as subsidiam são absolutamente desconhecidos. Tal estimativa tem inegável teor de exagero e é improvável de ser embasada em dados científicos.  Falta, portanto, como insiste o IBC, trazer os dados à mesa e abrirmos o debate, sem receio de prejudicar o ponto de vista de um lado ou de outro. E esta será a função da Comissão Especial para Debater o Uso do Amianto (Cedua). E é por isso que muitos a temem.